Autismo: Estratégias para aumentar a autonomia nas Atividades de Vida Diária (AVDs)
Dando continuidade ao ensino de novas habilidades para crianças com autismo, vamos falar hoje sobre o treino de uma categoria de comportamentos fundamental para a qualidade de vida da criança autista e de seus familiares: o treino da autonomia nas atividades de vida diária (AVDs). Chamamos de AVDs as atividades rotineiras, ou seja, que são realizadas diariamente com funções de auto-cuidado e higiene pessoal. São elas: lavar as mãos; escovar os dentes; usar o banheiro; alimentar-se; tomar banho; vestir-se; utilização de eletrodomésticos; etc.
As crianças diagnosticadas dentro do espectro do autismo apresentam muita dificuldade na aprendizagem das atividades de vida diária, ficando dependentes de um adulto por mais tempo do que uma criança com desenvolvimento típico. Esta dificuldade se dá devido às deficiências na área da linguagem e das habilidades sociais. Ou seja, uma criança que não aprendeu a habilidade social de imitar não inicia as atividades rotineiras espontaneamente, imitando os adultos, como as crianças com desenvolvimento típico fazem com tanta naturalidade. Da mesma forma, uma criança que não desenvolveu a linguagem receptiva (compreender o que os outros dizem) não segue as instruções verbais dadas pelos adultos na execução das atividades rotineiras.
Na última semana tive a alegre oportunidade de passar alguns dias com as filhas gêmeas de uma amiga. Seguindo o caminho de seu desenvolvimento típico as meninas estão quase completando os 2 anos de idade. A minha prática diária com crianças com atraso no desenvolvimento, para as quais tudo é difícil e tem que ser muito planejado, fez com que cada minuto com estas meninas fosse uma grande surpresa para mim. Enquanto eu me arrumava para um jantar de trabalho, penteando o cabelo ou pintando os olhos na frente do espelho, sempre tinha uma das duas ao meu lado, com sua escova de cabelo fazendo igual. Então, era só eu esquecer o batom sobre a penteadeira para a pequenina pegá-lo e se dirigir ao mesmo espelho onde eu acabara de me maquiar e começar a fazer os mesmos movimentos que ela acabara de assistir atentamente.
Como eu ainda não tenho filhos, minha convivência com crianças se resume a, basicamente, crianças com algum atraso no desenvolvimento. Assim, estes dias com as filhas de minha amiga foram marcantes, pois eu vivi mais de perto a simplicidade, a naturalidade e a fluidez do aprendizado no desenvolvimento típico. Não é preciso esforço algum para uma criança com desenvolvimento típico aprender a escovar os dentes ou pentear seu cabelo, a imitação faz todo este serviço praticamente sozinha. O que a imitação não ensina, as instruções verbais do adulto corrigem rapidamente, e estas instruções não precisam ser pensadas, planejadas e quebradas em partes menores, as instruções podem ser incrivelmente naturais. Afinal, as crianças com desenvolvimento típico desenvolvem todas as habilidades verbais e sociais necessárias para compreenderem o que vêem e o que ouvem e, principalmente, estas crianças desenvolvem um interesse tão grande pelos outros indivíduos que torna altamente reforçador fazer igual a eles, parecer-se com eles, estar perto deles e fazer o que eles pedem.
É pela ausência destas habilidades sociais e verbais e pela ausência desta motivação natural por imitar e seguir a instrução de outras pessoas, que o ensino de atividades de vida diária a crianças com autismo é tão difícil e merece estratégias cuidadosas e planejadas.
As atividades de vida diária, bem como outras atividades complexas (isto é, compostas por mais de uma resposta), consistem em uma cadeia de respostas. Segundo Catânia (1999):
“Quando quebramos uma sequência de comportamentos em seus componentes, podemos começar a tratar a sequência como uma sucessão de operantes diferentes, cada um definido pela consequência reforçadora de produzir uma oportunidade de emitir o próximo, até que a sequência seja terminada por um reforçador. Esse tipo de sequência é denominado uma cadeia de respostas. (…) Qualquer segmento da sequência serve à dupla função de reforçar a última resposta e de produzir as condições que ocasionam a resposta seguinte.” (pg. 142).
Ou seja, uma cadeia de respostas ocorre quando uma variável antecedente inicial (estímulos do ambiente) evoca uma primeira resposta que produz uma consequência reforçadora que, por sua vez, além de fortalecer a resposta que a produziu, também funciona como estímulo antecedente que evoca a segunda resposta. Esta segunda resposta, então, produz uma consequência reforçadora que a fortalece e, também, evoca (como estímulo antecedente discriminativo) a terceira resposta, e assim por diante.
Vamos a um exemplo prático: o comportamento de lavar as mãos consiste em uma cadeia de respostas, já que o estímulo antecedente “mãos sujas” evoca a resposta de ir até o banheiro, o que produz como consequência a visão da torneira. Esta consequência evoca a resposta de abrir a torneira, que produz a consequência “água”, que por sua vez evoca a resposta de molhar as mãos. As mãos molhadas são o estímulo discriminativo para pegar o sabonete. O sabonete nas mãos é o estímulo discriminativo para ensaboar as mãos, o que produz como consequência as mãos com espuma, que é a estimulação antecedente que evoca a resposta de enxaguar as mãos. Com as mãos molhadas temos o estímulo antecedente que deve evocar a resposta de enxugar as mãos. Vejamos este exemplo na tabela abaixo. As consequências de uma resposta são também o estímulo antecedente para a próxima resposta.
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