sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Aprendizagem em foco

m uma década, o número de alunos com alguma deficiência cursando o ensino médio triplicou. Mesmo assim, eles representam apenas 0,8% do total de matrículas neste nível de ensino, de acordo com o Censo Escolar do MEC de 2015. Em números absolutos, são apenas 62 mil, num universo de cerca de 8 milhões de alunos. O crescimento do número de estudantes com alguma deficiência é verificado em todas as etapas da educação básica, mas o movimento de inclusão vai perdendo força até chegar ao ensino médio.
No primeiro ciclo do ensino fundamental, os alunos com deficiência correspondem a 2,9% do total de matrículas, proporção que diminui para 1,8% na segunda etapa deste nível de ensino, atingindo apenas 0,8% no ensino médio. Os dados sinalizam que, apesar dos avanços ao longo dos anos, muitos estudantes vão ficando pelo caminho e abandonam as escolas.
Ainda que os desafios de acesso e progressão continuem significativos, a análise dos dados de todos os cerca de 900 mil alunos com alguma deficiência matriculados em todos os níveis da educação básica revela que houve avanço expressivo na proporção desses estudantes matriculados em classes comuns. Em 1998, apenas 13% conviviam com as demais crianças nas mesmas salas de aula. Em 2014, este percentual já era de 79%, sendo 98% no ensino médio, em que pese ainda serem poucos os jovens com deficiência que chegam até este nível de ensino.
Este crescimento foi resultado de diversas políticas públicas adotadas nesse período que sinalizaram para o direito dessas crianças, jovens e adolescentes à escola comum. No ano de 2008, por exemplo, foi aprovada a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. A Política segue as diretrizes legais estabelecidas em níveis internacional e nacional, preconizadas, entre outras referências, pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2006.

ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

De acordo com a Política, cabe à educação especial atuar, por meio dos professores responsáveis pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE) e de serviços e recursos ofertados nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), em favor da eliminação e minimização dos efeitos excludentes das barreiras de qualquer natureza (físicas, arquitetônicas, comunicacionais, sociais e atitudinais) que dificultem ou impeçam a convivência e a aprendizagem dos estudantes com deficiência em turmas comuns.
Apesar do arcabouço legal e das políticas educacionais orientarem para a inclusão dos estudantes com deficiência nas turmas comuns, tal processo esbarra num conjunto de problemas que afetam a educação básica brasileira como um todo, com forte repercussão no ensino médio. Entre elas, a principal é o baixo nível de aprendizagem ao longo do ensino fundamental, cujas consequências, muitas vezes, são a reprovação e o abandono da escola. Tal movimento não se restringe aos estudantes com deficiência, transtornos globais ou com altas habilidades, mas as barreiras tendem a ser maiores para esta população.

CURRÍCULO EXTENSO É ENTRAVE

Além das barreiras econômicas (que afetam de maneira mais intensa a população com alguma deficiência), há também aquelas existentes no próprio ambiente escolar. Do modelo de ensino predominante à organização curricular fragmentada em disciplinas estanques, passando por práticas pedagógicas massificadoras, orientadas pela ideia de que todos os alunos aprendem ao mesmo tempo e da mesma forma, todos esses fatores contribuem para que o desafio da democratização do acesso ao sistema escolar seja mais acentuado para os adolescentes e jovens com deficiência.
Um dos desafios é a superação de uma escola que funcione com um currículo composto por um elenco extenso de disciplinas e focada em preparar seus estudantes para o vestibular. Nesse sentido, Eliane de Souza Ramos, pesquisadora do Laboratório de Estudo e Pesquisa em Ensino e Diferença da Unicamp, defende que é importante que a escola ancore-se na realidade local através de um Projeto Político Pedagógico (PPP) que represente, organize e sistematize os propósitos educacionais em ações alinhadas com as demandas e necessidades de todo o grupo – equipe gestora, professores comuns e de educação especial, tradutores e intérpretes de Língua Brasileira de Sinais, guias, intérpretes, cuidadores, funcionários, alunos e familiares.
O professor de AEE pode desempenhar um papel essencial no sentido de eliminar barreiras, a fim de favorecer o desenvolvimento, a aprendizagem, bem como a convivência e o compartilhamento de interesses entre os estudantes – independentemente de terem deficiência ou não. Para tanto, ele deve trabalhar em parceria com professores da sala comum, apoiando-os no sentido de propor estratégias, recursos e tecnologias que eliminem ou minimizem as barreiras existentes na escola e que impedem a convivência, o desenvolvimento e a aprendizagem entre todos os alunos.
Rodrigo Mendes, diretor-executivo do Instituto Rodrigo Mendes, destaca que promover a interação do professor de AEE com os docentes da sala comum é um desafio que se apresenta no ensino médio, em função da tendência de fragmentação do currículo e, consequentemente, do grande número de professores.
A superação desse desafio depende, no nível das políticas educacionais, de uma reformulação do ensino médio, mas também se efetiva no nível da escola na medida em que as equipes se organizem e trabalhem buscando essa interação. Foi o que aconteceu na Escola Estadual de 1º e 2º graus Coronel Pilar, em Santa Maria (RS). A instituição recebe alunos com deficiência desde a década de 1990, matriculados inclusive no ensino médio. Ao longo do tempo, a escola desenvolveu um trabalho que possibilita o avanço desses estudantes, no qual a interação dos professores da sala de aula e de AEE é um dos eixos. A experiência da instituição revela um percurso que se constrói no cotidiano, na medida em que as demandas surgem, seja por parte do professor, seja por parte do aluno.

Fonte:

EQUIDADE

INCLUSÃO AUMENTA, MAS ACESSO AO ENSINO MÉDIO AINDA É DESAFIO



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