domingo, 5 de fevereiro de 2017


ENTREVISTA

Benilton Bezerra Jr. - Psicanálise e neurociências: um diálogo necessário

Benilton Bezerra Jr. - Psychoanalysis and neuroscience: a necessary dialogue
Ana Claudia Patitucci
Bela M. Sister
Cristina Parada Franch Franch
Danielle Melanie Breyton
Deborah Joan de Cardoso

Benilton Bezerra Jr.

Psicanálise e Neurociências:
um diálogo necessário

percursoPensando a situação do humano no mundo atual: como desenvolver a capacidade normativa considerando o desmoronamento da política, das instituições, das tradições e da família na contemporaneidade? Ou seja, se esses parâmetros sociais não são efetivos, a capacidade normativa também não perderia seus referenciais?
beniltonA prática psicanalítica se sustenta, de certo modo, na aposta de que a normatividade existe como algo inerente à condição humana (e, por outro lado, na admissão de que a errância humana sempre pode nos surpreender e subverter a lógica normativa vital). Quando dizemos, por exemplo, que em relação ao autismo é fundamental não abdicar da aposta no sujeito, é disso que se está falando, é apostar que mesmo onde possa parecer não haver um sujeito com a mínima capacidade de exercício de autonomia, de inscrição na relação com o outro, o horizonte tem que ser esse. Até onde cada indivíduo irá, vai depender de um conjunto enorme de circunstâncias que não temos como controlar inteiramente. Mas a aposta de qualquer clínica que mereça esse nome pode ser descrita assim: a de ampliar o espectro normativo do paciente. A vida subjetiva, assim como a natureza, tem horror ao vácuo. O que presenciamos hoje não é a simples perda de valores, mas a substituição de uma pauta hegemônica de valores por outra. Por isso, precisamos não apenas identificar o que a cultura atual vem deixando para trás, mas sobretudo procurar entender que valores emergentes vêm ocupando o lugar dos que se foram. Sempre foi assim, e sempre será. Novos valores culturais, novos arranjos subjetivos, novos ideais estão sempre deslocando os que os precederam. Um dia, a religião deixou de ser onipresente, abrindo espaço para a política leiga, a hierarquia social cedeu lugar ao individualismo, as mulheres passaram a ser vistas como iguais aos homens, e assim la nave va.
Apesar de vivermos em tempos de conformismo generalizado e de desmoronamento de referenciais antes estáveis, é preciso lembrar que nas últimas décadas assistimos a fenômenos sociais que podem ser exemplos de exercício normativo por parte de grupos e indivíduos. Penso, por exemplo, na emergência do movimento das deficiências que vem possibilitando uma ressignificação social e pessoal da vida de cadeirantes, surdos, pessoas com paralisia cerebral, autistas, portadores da síndrome de Down etc., no fortalecimento da luta em defesa da diversidade de orientações sexuais, laços conjugais e formas de parentalidade, no aumento da sensibilidade social a formas de intolerância, e assim por diante. A progressiva difusão da ideia de que não há um modo único de ser normal, porque não existe um tipo único de corpo, e de que normalidade, na vida biológica assim como na vida cultural, é apenas uma convenção transitória, tem acontecido por conta da atuação de muita gente que vem encarando com destemor a tarefa de mudar o mundo para melhor. Para mim, são exemplos de exercício normativo.
Por outro lado, estamos no umbral de uma transformação sem precedentes da condição humana, por causa da explosão biotecnológica que vem ampliando de maneira impressionante nossa capacidade de intervir sobre a ordem vital. Quando Canguilhem escreveu seu livro, em 1943, ele ainda podia dizer que a vida era uma espécie de nec plus ultra, um ponto inultrapassável diante do qual só restaria se ajoelhar em assombro. Ele estava convencido de que não havia como objetivar o fenômeno vital e, com isso, manipulá-lo em sua essência. Mas isso não é mais verdade. A partir da descoberta da dupla hélice do DNA e de todos os desenvolvimentos recentes das ciências da vida, estamos interferindo no próprio modo de organização da vida, interferimos cada vez mais naquilo que é a nossa própria natureza. De modo que a expressão "natureza humana", entendida como algo que é dado de antemão, algo universal e permanente no tempo, é uma expressão completamente anacrônica. Por conta das biotecnologias, em pouco tempo a reprodução da espécie estará muito mais permeável às nossas fantasias idiossincráticas, às imagens narcísicas que vamos querer perpetuar na nossa descendência. O que se abre com isso é um horizonte de interrogações éticas que exigirão decisões e escolhas de consequências tremendas. Ou estamos à altura do desafio e exercitamos nossa condição de sujeitos normativos, ou os ditames do mercado e da normalização política tomarão conta de nosso futuro.

percursoVocê está aludindo ao movimento no interior dos discursos e descobertas científicos. No plano social, a presença hegemônica da neurocultura não levaria ao risco de um empobrecimento do campo simbólico?
beniltonVamos lembrar do seguinte: a psicanálise é um campo de investigação teórica (mais do que um conjunto de teorias estáveis) sobre o psiquismo, sua emergência e suas vicissitudes, além de ser uma prática clínica e um método de investigação sobre essa experiência. Nessa investigação, três planos da vida subjetiva estão presentes e se entrelaçam, embora sejam diferentes entre si e possam ser metodologicamente separados: o plano universal, no qual situamos o papel da linguagem e da corporeidade na constituição do psiquismo; o plano da singularidade, do sujeito individual; e o plano histórico ou contextual, em que percebemos as formas subjetivas, os modos particulares de subjetivação típicos de uma determinada época. Nas últimas décadas, um conjunto de fatores (o fascínio pelas tecnologias de visualização cerebral, a explosão de descobertas neurobiológicas e a fragilização das referências simbólicas tradicionais) contribuiu para o surgimento desse fenômeno histórico que tem sido chamado de neurocultura. Esse termo tem sido usado para designar a percepção generalizada de que o cérebro é o autor de nossas ações, a parte de nós mesmos que define nossa identidade, o palco de nossos conflitos, o terreno de onde brotam nossas intenções e desejos. Hoje se encontram artigos mostrando como, por exemplo, é importante para o desenvolvimento cerebral você ter amigos. Olha que coisa louca, você tem amigos para poder desenvolver o cérebro.
A neurocultura é um conjunto de crenças, suposições, conceitos, preconceitos e fantasias que compõem o imaginário de nossa época. Nesse sentido, é muito importante compreender como e em que medida ela afeta os processos de constituição subjetiva e de construção identitária, já que isso incide na experiência de sofrimento e, portanto, na clínica. Mas embora muito influente hoje em dia, eu hesitaria um pouco em dizer que ela já é hegemônica. Afinal, quando olhamos em volta encontramos outros conjuntos de crenças servindo de base ontológica para a experiência subjetiva. Quanto à pergunta sobre o empobrecimento do simbólico como consequência da neurocultura, talvez precisemos inverter a formulação. A neurocultura já é uma resposta cultural ao declínio do universo tradicional de referências simbólicas, ao ocaso das figurações tradicionais do Outro. O apelo da neurocultura (assim como do fanatismo religioso, em outras culturas) vem em grande parte da necessidade de encontrar respostas para questões que o esvaziamento do simbólico passou a deixar em aberto.
Mas é bom frisar que a neurocultura é um fenômeno complexo, e apresenta aspectos muito interessantes e inesperados. Um exemplo que tenho em mente é o da reivindicação de neurodiversidade por parte de portadores do diagnóstico de síndrome de Asperger. Trata-se de algo recente: um grupo de pessoas se apropria de um diagnóstico que sempre havia sido fonte de exclusão social, e, no processo que o sociólogo canadense Ian Hacking chama de "looping effect", positiva esse diagnóstico, expurga suas conotações negativas e o redefine. O argumento deles é: quem disse que ter um tipo diferente de estruturação neural ou cognitivo-afetiva (por exemplo, uma cognição mais baseada na apropriação por meio de imagens do que na leitura) é, em si, sinal de patologia? Por que isso não pode ser reconhecido como sinal de uma diferença que merece acesso a direitos, cidadania, e estatuto de normatividade diferencial? Se adotarmos o critério da normatividade, então é perfeitamente possível dizer que a condição humana é muito mais plural do que o nosso modo de pensar espontâneo nos leva a crer. Apesar das críticas que se possa fazer às políticas identitárias é inegável, nesse exemplo, a assunção de uma posição subjetiva forte por parte de indivíduos que, até pouco tempo, eram tidos majoritariamente como objeto do discurso e da ação alheios.
As revelações contidas nas autodescrições e narrativas biográficas na primeira pessoa feitas por autistas, nas últimas décadas, vêm complexificando e modificando profundamente nosso entendimento do autismo. A riqueza fenomenológica desses relatos tem contestado muito do que as teorias davam como inquestionável, e tem jogado uma luz sobre os meandros e nuances da condição autista de uma maneira que as teorias existentes simplesmente eram incapazes de produzir. Por conta disso, sabemos hoje muito mais sobre o autismo do que sabíamos antes. Como consequência, temos sido obrigados não só a rever a facilidade com que formas atípicas de organização e funcionamento psíquicos são rotuladas como patológicas, como aprendemos que entre os modos de estruturação subjetiva tidos como típicos ou normais e aqueles considerados autistas há mais parentesco do que estávamos acostumados a pensar.
Nós psicanalistas sempre nos julgamos os paladinos do exercício da singularidade e da assunção da posição de sujeito. Ironicamente, do ponto de vista histórico, o movimento dos autistas caminhou nessa direção distanciando-se da psicanálise, no contexto americano e europeu, e em grande parte apoiados em descrições fisicalistas e neurobiológicas de sua condição. Acho que ainda não refletimos suficientemente sobre esse processo. Mas o fato é que ele pode ser tomado como um exemplo do quanto é preciso analisar com cuidado fenômenos como o da neurocultura. Todo fenômeno cultural produz efeitos complexos e mesmo contraditórios; não pode ser visto como um processo homogêneo e unidirecional. De modo geral, tendemos a ver a neurocultura como uma expressão da cultura atual, mas pelo seu lado negativo: falência da metáfora paterna, desagregação das metanarrativas, obscurecimento das referências simbólicas, adesão ao real do corpo e a simulacros imaginários como balizas substitutas. O caso dos autistas mostra como a extraordinária variedade da vida psíquica pode surpreender.
Algo parecido vem ocorrendo com outros grupos, que reinventam seu modo de presença social com base numa assunção mais decidida de uma posição subjetiva resistente a normas tradicionalmente impostas pela cultura. Um exemplo interessante é o dos chamados intersexuais. Sempre que se apresenta, essa é uma situação muito complexa e difícil de se resolver, porque, quando bebês apresentam características de genitália ambígua, imediatamente pais, pediatras, agentes jurídicos, todos entram num diálogo muito complicado para decidir o que fazer. Os pais têm o direito de decidir se se faz ou não cirurgia para "alinhar" o corpo do bebê ao modelo masculino ou feminino. Apesar das boas intenções, esse caminho tem às vezes consequências catastróficas. Recusando esse procedimento, o movimento intersexual tem defendido que se respeite a integridade corporal da criança intersexo, permitindo que aquele sujeito possa emergir e, como tal, possa decidir sobre seu destino. Essa mudança de perspectiva tem possibilitado que muitos se definam a si próprios a partir de sua singularidade corporal: "somos intersexuais, isso não é normal (habitual) nem é patológico, é expressão da diversidade humana, e por isso nada a ser corrigido".

percursoVamos voltar um pouco ao tema das normas. Pensando em casos como os diagnósticos de déficit de atenção e dislexia, que não são necessariamente graves, pois não implicam questões subjetivas amplas, mas afetam o campo da aprendizagem e da produtividade. Nesses casos não teríamos uma tentativa de normatização no sentido adaptativo?
beniltonO TDAH é um dos diagnósticos mais polêmicos do DSM. Diferentemente do que ocorria com seus precursores (como a disfunção cerebral mínima dos anos 60), que eram raramente aplicados, o TDAH tem sido utilizado numa escala assustadora, mesmo para os representantes da psiquiatria oficial. Não por acaso, um dos maiores críticos de seu uso abusivo é Allen Frances, o responsável pela edição DSM IV que, num mea culpa recente, o incluiu entre as três "falsas epidemias" da psiquiatria atual - as outras duas são o autismo e o transtorno bipolar. É bom lembrar que esse é o quadro da psiquiatria americana. Nos EUA, cerca de 10% de crianças e adolescentes recebem esse diagnóstico - muitas são medicadas com psicoestimulantes. Na França, esse número não chega a 1%, e o tratamento não recorre necessariamente a medicamentos. O Brasil se aproxima do modelo americano, com cerca de 5% de prevalência nas estatísticas oficiais. Como entender essas disparidades? A comparação com os dados de patologias com diagnósticos de validade indiscutível (por exemplo, esquizofrenia, cerca de 1% em todo o mundo) mostra como muitos elementos entram em jogo no uso desse diagnóstico junto a crianças: o contexto cultural é decisivo: nos EUA, o TDAH é visto como uma doença neurobiológica, cujo tratamento é medicamentoso; na França, o TDAH é visto como uma condição clínica com causas predominantemente psicossociais, o que faz com que o tratamento vise ao contexto relacional em que a criança se encontra situada. No Brasil, o enfrentamento de posições é muito acirrado e, como tende a acontecer nessas situações, o debate perde muito.
Dificuldades de aprendizagem e distúrbios de comportamento na infância precisam ser examinados levando em conta a complexidade de fatores que podem estar presentes por trás dos sinais e sintomas da criança. De fato, como a pergunta sugere, o uso abusivo do diagnóstico psiquiátrico nessas condições responde mais a uma necessidade de controle imediato de perturbações no funcionamento escolar, que nem pais nem professores se sentem capazes de enfrentar, cabendo à psiquiatria - ancorada frequentemente em discursos neurocentrados - o papel de agente de controle. Não quero dizer com isso que não haja crianças (e adultos) que não possam eventualmente se beneficiar do uso de medicamentos como o metilfenidato. Eu mesmo tenho amigos psicanalistas que já fizeram bom uso dele - digo, eles próprios usam o medicamento. Mas admitir que haja situações clínicas em que o uso do medicamento se justifique e seja benéfico não é o mesmo que transformar toda criança inquieta e desatenta em portadora de uma doença neurobiológica. O fato de que a desatenção implique um certo padrão de funcionamento cerebral é algo trivial, ocorre com qualquer experiência subjetiva. Além disso, é preciso lembrar: nem todo problema que exige cuidado é necessariamente doença, e nem todo tratamento implica medicação.

percursoA neurociência não teria como ajudar de outra forma que não sendo a base para esses discursos reducionistas?
beniltonSim, claro. Afinal, se levarmos a sério o paradigma em ascensão, nas neurociências e na biologia atual, é simplesmente equivocado analisar o funcionamento biológico de um indivíduo como um fenômeno isolado de seu contexto. Todo organismo está em constante interação com o meio, e é nessa inter-relação que devem ser buscadas as explicações para o que se passa com esse ser individual. Aquela criança é uma antena, é um ponto de entrecruzamento de diversos vetores que se expressam em sua conduta. De modo algum seu problema pode ser entendido como sendo meramente individual, muito menos como apenas um distúrbio cerebral. O cérebro dessa criança está, como se diz em inglês, embodied (inscrito na totalidade orgânica do corpo) e embedded (situado num contexto físico e simbólico). Isolado desses contextos e das relações em que está envolvido, ele é pouco mais do que uma abstração. Nós temos uma natural necessidade de dar nomes aos bois, porque nomear é começar a saber como agir. Desse modo, é compreensível que encontremos, por parte de muitos pais, professores e profissionais psi, uma inclinação a aderir ao uso de diagnósticos como esse e aos protocolos de tratamento que vêm junto com eles. Frequentemente achamos que, pelo fato de que isso é em grande parte facilitado pelo discurso neurocientífico, deveríamos resistir a ele, quando, na verdade, precisamos do contrário. Quanto mais profundo for nosso conhecimento da biologia da vida mental, mais argumentos antirreducionistas teremos à nossa disposição, e mais facilmente poderemos demonstrar os equívocos da perspectiva cerebralista na psicopatologia.

percursoVocê aponta em seu livro Freud e as neurociências que a psicanálise vem se colocando, em determinados debates atuais, em uma posição de "denúncia defensiva". Qual sua crítica em relação a essa posição? Qual o diálogo possível? Você não considera que a psicanálise deva resistir a esse projeto de naturalização da vida mental e da neurocultura?
beniltonEu estou completamente de acordo com a frase de Zizek que citei no final do meu livro sobre o Projeto: "Se a psicanálise pretende sobreviver e manter seu importante status, temos que encontrar um lugar para ela dentro das próprias ciências do cérebro, partindo de seus silêncios e impossibilidades inerentes". Acho que a psicanálise tem o que oferecer para o progresso das neurociências, e não só pode, como deve, engajar-se num diálogo com elas. Porque pela própria natureza do aparato conceitual biológico, pela especificidade dos experimentos na produção do conhecimento neurobiológico, há certas dimensões da experiência humana que ficam de fora. Fundamentalmente, aquilo que, depois de Lacan, chamamos de a dimensão do sujeito, aquilo que na experiência humana se situa num plano transcendente em relação ao simples funcionamento vital.
Agora, é preciso deixar claro que uma coisa é apreciar o alcance e os limites das ciências do cérebro, tentando encontrar afinidades e dissonâncias, numa interpelação mútua que pode ser muito frutífera, entre abordagens biológicas e psicanalíticas dos fenômenos subjetivos. Outra, bem diferente, é a perspectiva a ser adotada frente à neurocultura. Essa, como vimos antes, é um fenômeno cultural complexo forjado num contexto político, econômico e social e técnico que sobredetermina o modo como os resultados de pesquisas científicas são recebidos, interpretados e assimilados. Mas mesmo nesse caso, não se trata de simplesmente "resistir", e sim de analisar seus condicionantes e seus efeitos sobre a vida subjetiva individual e coletiva.
Quanto ao projeto científico de naturalização da vida mental, é de novo importante fazer uma distinção. "Naturalização" pode querer dizer duas coisas muito diferentes. Pode, na versão cara a cientistas como Francis Crick e filósofos da mente como o casal Paul e Patrícia Churchland, significar a adoção de um reducionismo eliminativista que resulta em afirmar, como diz Crick numa passagem famosa, que "Você nada mais é do que um pacote de neurônios". Mas neurocientistas como Francisco Varela e Antônio Damásio, e filósofos como Adrian Johnston, por exemplo, recusam esse eliminativismo, situando-se numa posição em que o diálogo com a psicanálise flui com proveito mútuo.
Apesar de um número cada vez maior de psicanalistas interessados pelas neurociências, uma dificuldade recorrente no campo é a adoção de uma posição defensiva, que se preocupa mais em defender seu território conceitual contra as consideradas indevidas pretensões de neurobiólogos em falar da vida psíquica, do que em buscar terrenos comuns para o estabelecimento de um diálogo e um realinhamento de fronteiras. Não estou dizendo que todo mundo faça isso, há muita gente que, ao contrário, passa por cima disso e já se engaja em discussões com os neurocientistas e psicólogos do desenvolvimento. Há muitos analistas que fazem um trabalho interessante, nesse sentido, em torno do autismo e contornam essa discussão, mas no campo social isso não tem a mesma reverberação que têm as posições mais dogmáticas.
Se naturalização da vida mental significa afirmar que a mente faz parte da natureza, que pode ser investigada com os métodos das ciências da vida e que, nessa perspectiva, é preciso adotar metodologias que reduzem a complexidade da experiência subjetiva aos elementos biológicos que a tornam possível, nenhum problema. A "naturalização" que é preciso criticar é a crença de que a vida subjetiva possa ser exaustivamente descrita, explicada e compreendida com base apenas em descrições feitas no plano neurofisiológico ou neuroanatômico, deixando de lado tudo aquilo que extrapola esse âmbito - linguagem, valores culturais, práticas sociais, trajetórias subjetivas individuais etc.

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