Holanda, 18 de setembro, 2017
Por Fatima de Kwant
Uma das limitações consideradas como tipicamente autistas é a falta de contextualização em muitas pessoas com TEA(Transtorno do Espectro do Autismo) ou PEA (Pessoa no Espectro do Autismo), como muitos autistas considerados leves gostam de ser chamados. Entender o contexto – e não somente os detalhes – é importante para a compreensão e aplicação de aprendizado no dia a dia, bem como manter uma boa interação social.
Um exemplo: A criança que desempenha bem uma tarefa em casa, mas não na escola, ou vice-versa. Isso acontece porque esta criança pode ter criado seus próprios mapas mentais a fim de organizar o mundo. Uma estratégia de sobrevivência e, portanto, admirável. No entanto, tal resquício também pode encontrar desafios, com o passar do tempo.
Bruno (5 anos) passa o primeiro fim de semana na casa dos tios. No sábado pela manhã, sua mãe entrega uma lista para sua irmã com todas as peculiaridades do filho, inclusive a lembrança de que Bruno nunca comia carne. No domingo, dia de carne assada no almoço, a tia oferece o alimento ao sobrinho, mesmo esperando que fosse recusá-lo. O menino não somente aceitou, como pediu para repetir. Ao buscar o filho no final da tarde do domingo, seus pais reagiram surpresos ao que a tia contara.
Bruno havia criado um mapa mental para as refeições e associara a carne como sendo um alimento que comia fora de casa. Uma vez identificado o problema, o terapeuta fez um planejamento para que Bruno conseguisse “abrir” este mapa mental (alimentação fora de casa) de Bruno aberto, para que fosse generalizado (misturado) com outros mapas (alimentação em casa, na casa da avó, no restaurante, etc.).
Um Mapa Mental é um método natural (automático) que muitos autistas – principalmente as crianças – criam para fazer sentido do mundo caótico como, por vezes, é o neurotípico.
Imagine que a vida seja incompreensível para uma criança com autismo e que muitas informações cheguem até seu cérebro em pequenos pedaços (fragmentos). Fragmentações das mais simples às mais complexas: o que deve ela deve fazer, vestir, comer; o que pode e o que não pode de seus cuidadores ou professores. Os autistas mais severos podem ter dificuldades com informações simples como: o que é um gato? Durante um treino ele vê a imagem de um gato branco, mas quando sua mãe aponta um gato preto na rua, e chama de “gato”, ele não compreende. Este é um exemplo de falta de generalização, muito ocorrente no autismo com maiores limitações.
Um dos erros que neurotípicos cometem ao lidar com autistas menos severos é o de achar que subentendem informações. Muitos, sim; outros, não. Independente da capacidade intelectual de uma pessoa com autismo, numa situação mais complexa, ele pode ter grande dificuldade em assimilar o contexto ou de generalizar o que foi dito, visto ou lido. Nesse caso, com certeza irá recorrer a seus Mapas Mentais.
Um Mapa Mental é um histórico de cada situação já experimentada pela pessoa autista e computada na sua maravilhosa mente. Em momentos de dúvida – situação social, comunicação ou durante o exercício de uma tarefa -, ele recorre a esse artifício, “abrindo” o seu arquivo mental – único e intransferível. Quanto mais entendimento – através da maturidade ou de treinamento – menos uso desse arquivo.
Todo nós, seres humanos, autistas ou não criamos nossos Mapas Mentais, onde depositamos nossas experiências e aprendizados. No entanto, enquanto os neurotípicos misturam tais experiências(mapas) o tempo todo, os autistas tendem a categorizá-los mais rigidamente, sem misturá-los.
Fábio (12 anos), Asperger, joga futebol aos sábados num clube da sua cidade. É esforçado e adora jogar futebol. Quando o juiz apita o final do jogo, os colegas vão para a cantina comentar sobre a partida. Fabio, no entanto, pega sua mochila e se dirige à mãe, que o aguardava, perguntando: “O que vamos comer no lanche?”.
Apesar de gostar muito de futebol, Fábio “fecha” o mapa mental ‘Partida de Futebol’, assim que o jogo termina. Os comentários na cantina já não são mais importantes para ele. O menino já está abrindo o próximo mapa – o lanche do sábado. Isso não é um problema, a não ser que torne-se um problema para Fábio e sua família, com o tempo. No caso, o terapeuta pode ajudá-lo a misturar o mapa do futebol com o da Interação Social.
Quando falamos nos Mapas Mentais, falamos também na Coerência Central. A criança afetada por uma Coerência Central não desenvolvida, tende a pensar/deduzir em fragmentos. Em palavras mais simples, seria a incapacidade de assimilar o contexto de uma situação, ou do que é ouvido, lido e visto, diretamente. Entender este processo é imperativo para a boa convivência com uma pessoa autista. A boa notícia é que as pessoas autistas com desafios nesta área, podem ser beneficiadas de um tratamento direcionado por um terapeuta especializado. É de grande importância para isso:
- Identificar o(s) problema(s)
- Usar o sistema de comunicação adequado
- Conduzir o autista para o pensamento generalizado
Identificar o problema
O terapeuta deve elaborar uma análise individual do caso, com base em um minucioso formulário a ser preenchido pelos pais, ou cuidadores da pessoa autista, assim como uma entrevista com os mesmos antes de iniciado o tratamento. Estes devem ser bem específicos quanto aos problemas que o autista apresenta em relação à:
– Rigidez
– Fragmentação na percepção
– Desempenho de tarefas
– Extensão da compreensão generalizada do autista
Usar o sistema de Comunicação Adequado
O terapeuta leva em conta o nível de comunicação da pessoa autista antes de iniciar o tratamento. Isso inclui ser este verbal ou não verbal e sua capacidade cognitiva. É necessário que o terapeuta esteja ciente de que a fragmentação de pensamento é independente da capacidade intelectual de uma pessoa autista. O Q.I. pode ser de grande auxílio para a psycoeducação, porém, não é garantia de que o autista seja tratado com mais facilidade do que um autista com baixa intelectualidade. Um autista verbalmente articulado pode não compreender que tem um problema. Cabe ao terapeuta – e ao desejo da pessoa autista de aprimor sua Interação Social e convívio na sociedade – educá-lo a considerar o contexto de uma situação, ilustrando a importância do mesmo no convívio diário dentro da sociedade.
Conduzir o autista para o pensamento generalizado
O terapeuta deve estar ciente de que a pessoa autista tende a fixar-se em detalhes ao invés de assimilar o contexto. Durante os treinos, ilustre várias situações em que faz-se necessário entender o contexto.
Michael (32), autista de alto funcionamento, é empregado numa empresa onde, aparentemente, seus colegas são neurotípicos. Durante uma reunião, um dos colegas expõe um tópico de interesse geral da empresa. Uma frase envolvendo a palavra “política”, é imediatamente captado por Michael. Ele se distrai durante o resto da reunião, pensando fixamente na situação política do país, inclusive fazendo um comentário irrelevante para a solução da questão apresentada pelo colega.
Michael chega ao consultório do terapeuta com o desejo de compreender o que é dito nesta situação – e outras similares – tal que possa manter o emprego onde tem bom desempenho, mas é frequentemente chamado a atenção pelos colegas e pela direção da empresa.
Compreender como os Mapas Mentais são criados e utilizados pelos autistas é um grande passo em direção à Neurodiversidade. Deve ficar claro para todos que as pessoas autistas não precisam mudar per se, mas podem ser auxiliadas a expandirem seu conhecimento, entendendo como suas mentes funcionam (autoconhecimento) e, sendo assim, a terem o poder de escolha.
N.A.: Nem todas as crianças, adolescentes ou adultos autistas criam mapas mentais conforme especificados no artigo. Sabemos hoje em dia que existem vários tipos de autismo e várias características que nem sempre são comuns a todos.
N.A.1: A Teoria da Coerência Central Fraca tem sido revogada por outros cientistas. A cientista Uta Frith (Alemanha) tem feito mais pesquisas adicionais, cujo resultado encontra-se nas suas últimas publicações. Para mais detalhes sobre esta informação, recomendo o link:
*Fatima de Kwant é Especialista em Autismo & Desenvolvimento e Autismo & Comunicação, registrada no Conselho Nacional de Especialistas em Autismo dos Países Baixos.
*A cientista Uta Frith (Alemanha) desenvolveu a Teoria da Coerência Central nos anos 90 e vem aperfeiçoando seus achados desde então. Suas últimas encontra-se nos livros: Autism: A Very Short Introduction (2008) (en)
Fonte:
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