domingo, 12 de março de 2017

Alfabetização de crianças com Autismo

Alfabetização de crianças com Autismo: instalando a função da leitura e da escrita e a compreensão e interpretação de textos

  
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No último artigo vimos algumas estratégias especiais de alfabetização de crianças com dificuldades de aprendizagem, estratégias estas que se baseiam na teoria da equivalência de estímulos. Dando continuidade a esta fase da aprendizagem acadêmica, veremos agora alguns procedimentos eficazes para instalar respostas de leitura e escrita mais refinadas em crianças com desenvolvimento atípico, particularmente, com autismo. Estas atividades visam treinar a função acadêmica e social da leitura e da escrita. 
As atividades aqui descritas não precisam, necessariamente, serem feitas após a alfabetização formal, algumas delas podem ser conduzidas paralelamente à alfabetização. 
A primeira preocupação do terapeuta analista do comportamento durante qualquer processo de ensino deve ser a generalização das habilidades ensinadas para contextos mais naturais, saindo do contexto artificial e especialmente preparado para a aprendizagem no qual se configura o setting terapêutico. Durante a alfabetização esta preocupação também deve permear todo o trabalho. 
Visando a generalização das palavras aprendidas na pré-alfabetização (tema do último artigo) e o treino da função da leitura e da escrita, o terapeuta pode produzir, junto com a criança, um livrinho com as palavras trabalhadas na pré-alfabetização. A criança deve completar cada página do livro já montado pelo terapeuta, como no exemplo abaixo. 
Depois de montar o livrinho todo, a criança pode ler a história para alguém. Neste momento, a criança tem a oportunidade de experimentar a principal função da leitura, afinal ela será capaz de ler algumas frases, já que estas são montadas com palavras-chave já treinadas. 
Com este mesmo livro produzido junto com a criança e, também, com outros livros simples (frases curtas; letra bastão grande; imagens claras; começo, meio e fim bem definidos; etc.), pode-se aplicar um conjunto de atividades que visam o treino de leitura e escrita; ampliação de interesses; aprofundamento do conteúdo de conversas e comentários; treino da atenção na leitura e no reconto do texto; compreensão e interpretação do texto. Abaixo descrevo estas atividades. 
Visando gerar interesse pela história e, com isso, motivação para as atividades que se seguem, a primeira atividade que deve ser feita é apresentar a história em vídeo (caso exista um filme sobre ela) ou em uma apresentação no Power Point com fotos de cada página do livro. O uso da mídia gera um interesse inicial maior do que se já começarmos direto com o livro. 
Em seguida, o terapeuta deve contar a história mostrando cada página do livro e garantindo que a criança preste atenção. Para isso, a história deve ser apresentada de maneira clara e breve, de preferência dividida em 4 ou 5 atos. O terapeuta deve estimular que a própria criança leia a história ou partes dela, a depender do passo da alfabetização em que ela está. Se a criança ainda não lê, ela deve, pelo menos, acompanhar a leitura com o dedo nas palavras. Durante a contagem o terapeuta deve, ainda, pedir respostas que garantam a atenção e participação da criança. Por exemplo, em cada página do livro o terapeuta pode pedir que a criança aponte (repertório de ouvinte – identificação) e/ou nomeie (repertório de falante – tato) personagens ou itens do cenário. Com crianças que tenham o repertório verbal mais desenvolvido pode-se, ainda, estimular respostas intraverbais, como “Está de noite ou de dia?”, “Onde morava o Pinguim?”, “Que cor é o lobo?”, etc. 
Em seguida o terapeuta pode pedir que a criança ordene as principais cenas da história, começando com 3 cenas e depois evoluindo para 5 a 7 cenas. Para isso, o terapeuta deve apresentar figuras com as principais cenas da história em ordem aleatória e mostrar cada uma para a criança. Em seguida a criança deve colocar as figuras na ordem em que ocorrem na história. Se necessário, o terapeuta deve dar ajuda física (pegando cada cena junto com a criança) ou gestual (apontando a próxima cena). Esta atividade vai garantir a compreensão da sequência lógica que permeia qualquer história, além de treinar esta habilidade que é fundamental para a compreensão de histórias, cenas e situações cotidianas. 
Com crianças autistas o apoio visual é sempre útil, por isso, pode ajudar bastante fazer a ordenação das cenas em uma prancha numerada e com quadros delimitados para cada cena, tal como exemplificado abaixo. 
Seguindo o sequenciamento visual feito na atividade anterior, a criança deve ser estimulada a verbalizar a sequência da história, utilizando as palavras de conexão como “primeiro, depois, então”. Os quadros ordenados servem de dicas para ela contar a história. Para isso, o terapeuta deve estimular que a criança coloque seu dedo em cada cena na medida em que vai contando a história. A depender do nível de alfabetização, peça para a criança escrever frases simples deste seu “resumo”. Este resumo escrito também pode ser feito com cópia, ou seja, o terapeuta escreve as frases que a criança falou durante o reconto da história e, depois, a criança copia seu próprio resumo. 
Outra atividade que contribui muito para a compreensão da história que está sendo trabalhada é a dramatização dos principais personagens e acontecimentos. Para isso, devem ser preparadas roupas ou acessórios característicos dos principais personagens. A criança deve preparar estes acessórios junto com o terapeuta, aproveitando para treinar habilidades grafomotoras como: recortar as orelhas do lobo; desenhar e recortar o chapéu do caçador; etc. Também pode-se utilizar brinquedos, miniaturas ou fantoches para a representação dos principais personagens. Depois da caracterização, a criança e o terapeuta devem encenar cada ato da história com diálogos básicos e curtos. O terapeuta deve dar as ajudas físicas e verbais (dica ecóica ou intraverbal) necessárias. 
Partindo para atividades de interpretação propriamente dita, o terapeuta pode elaborar de 3 a 4 questões sobre a história. Neste momento as questões devem ser sobre informações facilmente extraídas do texto, por exemplo, questões como: “Onde aconteceu?”, “Quem estava lá?”, “O que o personagem fez?”, etc. As respostas podem ser somente verbais; ou por escrito; ou ainda, a criança responde verbalmente, o terapeuta escreve a resposta e, em seguida, a criança a copia. 
Novamente buscando o apoio visual, sugere-se também fazer atividades de completar lacunas ou questões de múltipla escolha. O terapeuta deve desenvolver exercícios nos quais a criança vai preencher lacunas ou marcar um X na resposta correta, com informações que podem ser facilmente encontradas no livro. Aqui vale introduzir conceitos acadêmicos que estejam no currículo da escola, por exemplo: conceito de opostos; quantidades; estações do ano; formas geométricas; etc. Com crianças autistas, é interessante usar texto e imagens nas questões, como exemplificado abaixo. 
Com crianças mais velhas e mais avançadas no processo de alfabetização, pode-se também fazer questões que a estimulem a extrair informações das entrelinhas, criando hipóteses e entendendo o “porquê” das coisas. Nesta etapa o aplicador deve desenvolver perguntas que não podem ser diretamente respondidas com as dicas visuais do livro (Ex: “Quem era o porquinho mais esperto?”; “Porque a bruxa não gostava da Branca de Neve?”; etc.). Para responder a criança poderá reler partes do texto. 
As atividades de registro, comumente feitas em salas de aula regulares após a leitura de uma história, também são fundamentais. A partir do tema da história, a criança deve trabalhar em alguma atividade grafomotora, como: desenho com pontilhado; desenho livre; escrever os nomes dos personagens; recorte e colagem; etc. 
Os tablets também são um meio eficaz para estimular o interesse pela leitura e pela escrita, bem como para a aquisição da função social e comunicativa destas respostas. Existe uma infinidade de aplicativos que estimulam a leitura e a escrita, como: livrinhos virtuais que contam a história com áudio; treino da escrita de letras e palavras na tela do tablet; aplicativos nos quais a criança pode montar uma história usando fotos ou imagens da internet e digitando as frases; etc. 
Nesta fase da intervenção terapêutica e acadêmica, também sugere-se apresentar os diversos usos da leitura e da escrita, como: jornal – o adulto pode ler o caderno infantil ou alguma reportagem que envolva um tema do interesse da criança junto com ela, estimulando que ela leia as palavras-chave; livro – trabalhar os livros indicados na escola ou outros que sejam de interesse da criança com as atividades descritas acima; bilhete – estimular que a criança escreva bilhetes para os familiares e amigos da escola (usando ditado ou cópia como apoio, se necessário); e-mail – ensinar a usar o e-mail e mandar mensagem para pessoas que estão distantes; combinados – escrever combinados para a aula ou terapia e ler diariamente; etiquetas – colocar etiquetas escritas pela própria criança nos brinquedos, móveis e objetos da casa; propagandas – recortar e colar propagandas de alimentos preferidos e, depois, ir ao supermercado com esta “lista de compras” e comprar cada item; letra de música – a criança pode ajudar a encontrar a letra de uma música que goste muito na internet e, depois, ouvir a música e cantar junto com a letra na mão acompanhando com o dedinho em cada palavra (sugere-se usar letra bastão grande e destacar as palavras que a criança é capaz de ler); enunciados – nas lições de casa a criança deve ler os enunciados, compreender o que pedem e executar a tarefa; placar de jogos – em jogos coletivos podemos fazer um “placar” onde a criança deve escrever os nomes dos jogadores e sua pontuação no decorrer do jogo, no final ela deve dizer quem ganhou consultando o placar. 
Com estas e outras atividades que podem ser elaboradas a partir destas, vamos refinando a leitura e a escrita, dando função para este repertório, garantindo seu uso funcional no dia-a-dia e sua generalização para contextos naturais. 
Referências Bibliográficas: 
Bagaiolo, L. & Guilhardi, C. (2002). Autismo e preocupações educacionais: Um estudo de caso a partir de uma perspectiva comportamental compromissada com a Análise Experimental do Comportamento. In: Guilhardi, H. J., Madi, M.B. P., Queiroz, P. P., Scoz, M. C. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição. 1ª Ed. Santo André: ESETEC, v. 10, p. 67-82. 
De Rose, J. C. (2005). Análise Comportamental da Aprendizagem da Leitura e Escrita. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, 1, 29-50. 
Souza, D. G. & De Rose, J. C. (2006). Desenvolvendo programas individualizados para o ensino de leitura. Acta Comportamentalia, 14, 77-98.

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