quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O autista e seu pensamento

Pensamento autístico


Por Patrícia Trindade
1. Falta do conceito de sentido.
O problema primário, que caracteriza o pensamento de indivíduos portadores de autismo, é a inabilidade de dar sentido às suas experiências. Eles atuam em seus ambientes, podem aprender habilidades, alguns podem aprender a usar a linguagem, mas não têm capacidade intrínseca de entender o significado de suas atividades. Eles não estabelecem relações entre idéias e eventos. Seu mundo é consistido por uma série de experiências e demandas sem relação umas com as outras. Os temas, conceitos, razões ou princípios subjacentes são, para eles, tipicamente obscuros. Este sério prejuízo na geração de sentido está, provavelmente, relacionado a várias outras dificuldades cognitivas graves.
 

2. Enfoque excessivo em detalhes. 
Eles apresentam habilidade limitada em priorizar a relevância destes detalhes. Alunos com autismo são, com muita freqüência, muito bons na observação de detalhes minúsculos, especialmente os visuais. Freqüentemente percebem quando os objetos do seu ambiente foram mudados e podem ver pequenos fragmentos abandonados, fios de linha que podem ser puxados, flocos de pintura a serem pinçados, quadrados do forro a serem contados, etc. Alguns deles também notam outros detalhes sensoriais, como os sons de ventiladores e máquinas. Indivíduos que funcionam em um nível de inteligência mais alto usualmente se concentram em detalhes mais cognitivos, tais como chamadas de estações de rádio, códigos de área de números de telefone, ou capitais de estados. O que os alunos com autismo são menos capazes é de acessar a importância relativa de todos os detalhes que foram observados. Eles podem se concentrar na visão do fio de linha que estão balançando enquanto atravessam uma rua, e não perceber a aproximação de um ônibus que estiver chegando; ou eles podem entrar em uma sala e comentar sobre os sons dos ventiladores, ignorando o fato de que o almoço está na mesa.


3. Falta de Concentração.
É freqüentemente difícil pacientes autistas prestarem atenção ao que seus professores querem, porque estão concentrados em sensações que, para eles, são mais interessantes e importantes. Além do mais, seus focos de atenção, com freqüência, mudam, rapidamente, de um objeto para outro. Geralmente as fontes de distração de crianças de nível funcional mais baixo são visuais. Um professor pode colocar um lápis em uma mesa e a criança ficar tão distraída pelo lápis que não consegue executar seu trabalho. Ou o aluno vê algo além da porta e fica tão distraído que pára de trabalhar para lhe prestar atenção. Os estímulos auditivos podem ser também fonte de significativa distração. Um aluno pode ouvir um ruído que o professor não sequer pode ouvir, cinco salas distante, e ficar incapaz de se concentrar. Alguns alunos com autismo são também, aparentemente, sujeitos à dispersão por estimulação interna, tais como a lembrança de um palito de madeira, barbante, xícara, ou outro objeto, de que eles se recordem, de experiências passadas. Ou eles podem ser distraídos por processos cognitivos internos tais como rimar, contar, calcular ou recitar fatos que tenham memorizado. Independentemente da fonte de dispersão, pessoas com autismo tem uma grande dificuldade em interpretar e priorizar a importância de estimulação externa e pensamentos que as "bombardeiam". Alguns deles olham, se movem e exploram o ambiente constantemente, como se todas as sensações fossem igualmente novas e excitantes. De fato, para eles, elas o são. Outros lidam com este bombardeio aparentemente bloqueador da maioria dos estímulos circundantes, ficando concentrados em um tipo muito limitado de objetos.


4. Pensamento Concreto.
Indivíduos com autismo, independentemente do nível cognitivo, têm relativamente maior dificuldade com conceitos lingüísticos simbólicos ou abstratos do que com fatos e descrições objetivos. Na cultura do autismo cada palavra significa apenas uma coisa; elas não tem conotações adicionais ou associações subjacentes. Um exemplo deste fato é um jovem de 15 anos com um QI mediano que, quando lhe foi perguntado sobre o significado da frase "o pássaro que chega mais cedo pega a minhoca", respondeu que "se o pássaro levanta pela manhã bem cedo, ele pode pegar uma minhoca se a ver e se ele a pegar, ele pode comê-la logo, e então ele pode continuar a procurar outra minhoca". De forma similar, quando foi feita a pergunta sobre o significado da frase "não chore sobre o leite derramado", ele respondeu, "se você derramar seu leite você não deveria chorar sobre ele, mas você deveria pegar um pano, enxugar o leite e depois limpar o pano e depois ir pegar mais leite".


5. Dificuldade em Combinar ou Integrar Idéias.
É mais fácil para pessoas com autismo entender fatos ou conceitos isolados do que combinar conceitos, ou integrá-los com informações relacionadas entre si, particularmente quando estes conceitos parecem ser de alguma forma contraditórios. Por exemplo, um jovem viajava regularmente para um camping chamado "Camp Dogwood" (Dogwood é uma espécie de arbusto). A maioria das viagens ao camping foram no outono e no início da primavera, quando os "dogwoods" nunca estavam florescendo. Cada vez que este jovem chegava ao Camping Dogwood ele expressava seu desejo de os ver floridos. Finalmente, ele pode satisfazer seu desejo quando seu grupo foi ao Camping Dogwood em abril. Sabendo quanto tempo ele havia esperado, a senhora que gerenciava o camping colocou um bouquet de flores de dogwood em seu prato, para que ele pudesse encontrá-lo quando viesse para o café da manhã no primeiro dia de sua estadia. O jovem pegou o bouquet de dogwood e se encaminhou diretamente até a cozinha, olhando para a gerente, supostamente para agradecê-la. Ao invés disto, ele fez um longo discurso sobre a importância de proteger a natureza (ele era membro de um clube de proteção ao meio ambiente) e a inadequação de colher flores. Quando lhe foi explicado que ela era uma mulher gentil, que tinha colhido as flores num gesto de afeição, ele insistiu que se ela fosse gentil, deveria saber que agredir o meio ambiente era errado e, sendo assim, ao censurá-la, ele estaria lhe fazendo um favor. Ele não podia entender como dois conceitos inconsistentes (pessoas gentis salvam o meio ambiente e uma pessoa gentil colheu flores) poderiam estar ambos corretos.


6. Dificuldade em Organizar e Sequenciar.
Os problemas com organização e sequenciação estão relacionados com a dificuldade global de integrar múltiplas informações. A capacidade de organizar requer a integração de vários elementos para atingir um objetivo predeterminado. Por exemplo, se alguém está planejando uma viagem, esta pessoa tem que prever o que será necessário levar para fazer as malas, antes de sair. Outro exemplo seria a necessidade de coletar todos os materiais necessários antes de completar, detalhadamente, uma tarefa. As habilidades de organização são difíceis para pessoas com autismo porque elas requerem, simultaneamente, a habilidade de concentração tanto na tarefa imediata quanto no resultado almejado. Este tipo de enfoque duplo é aquele ao qual pessoas que se prendem a detalhes específicos e individuais não se dão bem.
Sequenciar é algo difícil para pessoas com autismo porque demanda habilidades similares. Não é incomum pessoas com autismo executarem uma série de atos em uma ordem ilógica e contraproducente, que eles parecem não perceber. Por exemplo, uma pessoa pode levantar pela manhã, pentear o cabelo, depois tomar banho e lavar o cabelo. Um autista, ao fazer um sanduíche, pode sobrepor duas fatias de pão e depois por a carne em cima, ao invés de pão, carne e depois pão, como tipicamente fazemos em nossa cultura. Desta forma, eles nos mostram que apesar de terem dominado as etapas isoladas de um processo complexo, eles não entendem a relação entre as etapas ou o sentido destas etapas, em relação ao objetivo final.


7. Dificuldades em Generalizar.
Pessoas com autismo, frequentemente aprendem habilidades ou comportamentos numa situação, mas têm grande dificuldade em transferi-las para outra situação. Por exemplo, eles podem aprender a escovar os dentes com uma escova de dentes verde e depois relutar em escovar os dentes com uma escova de cor azul. Eles podem aprender a lavar pratos, mas não perceber que o mesmo procedimento básico é usado para lavar copos. Eles podem aprender a enunciar literalmente uma regra, mas não entender o seu propósito subjacente e, então, terem problemas em aplicá-la em situações diferentes. Por exemplo, um jovem com autismo, de alto nível funcional, costumava chegar ao prédio onde trabalhava, de manhã bem cedo, para trocar de roupa. Foi dito a ele que apesar do prédio não estar oficialmente aberto aquela hora, ainda assim haviam pessoas lá, se preparando para o dia de trabalho, e que estas pessoas não queriam que ele trocasse suas roupas na frente delas. Ele aparentemente entendeu a solicitação mas, o que ele começou a fazer, foi trocar de roupa fora do prédio, no estacionamento, na frente de todos que passassem por ali. Ele honestamente não entendeu o conceito por trás do pedido, porque ele teve dificuldade em distinguir, sob outras perspectivas, as situações em que ele poderia trocar suas roupas e quando não poderia. 


Além dos déficits cognitivos múltiplos, o autismo apresenta alguns padrões bio-comportamentais característicos: 
1. Forte Impulsividade. 
Pessoas com autismo são freqüentemente muito insistentes em fazer coisas que eles desejem, não importando que sejam objetos preferidos, experiências, ou sensações, tais como tocar algo, executar um ritual complexo, ou repetir um padrão comportamental ritualístico. Estes comportamentos, que se assemelham os sintomas do distúrbio obsessivo-compulsivo, podem ser muito difíceis de serem evitados ou controlados por professores e pais. Em verdade, existe nestes comportamentos tamanha determinação que eles parecem não estar sob o controle consciente do indivíduo com autismo. Direcionar, controlar e canalizar estes comportamentos é o maior desafio.


2. Excessiva Ansiedade. 
Muitas pessoas com autismo tendem a apresentar altos níveis de ansiedade; eles estão freqüentemente frustrados ou a ponto de ficarem frustrados. Uma dose desta ansiedade é provavelmente devido a fatores biológicos. Além disto, a ansiedade pode ser resultado das constantes confrontações com o ambiente, que é imprevisível e opressivo. Por causa de seus déficits cognitivos, as pessoas com autismo têm dificuldade em entender o que é esperado deles e o que está acontecendo ao seu redor; a ansiedade e a agitação são reações compreensíveis diante deste constante grau de incerteza.


3. Anormalidades Sensório-perceptuais.
Há muito é sabido que, nas pessoas autistas, os sistemas de processamento sensorial são perturbados. Nós encontramos autistas com preferência alimentares muito incomuns, outras que passam o tempo olhando seus dedos em movimento ou friccionando texturas em suas bochechas, ou se dedicando a ouvir sons não usuais muito perto do ouvido, para poder também sentir as vibrações. Sabemos que as pessoas com autismo não respondem aos sons da mesma forma que os outros, levando a que os outros pensem que eles são surdos, quando têm perfeita acuidade auditiva. Algumas pessoas com autismo parece confundir o sentimento de ser beliscado com o de receber cócegas ou parecem não sentir dor alguma. Outros escolhem se balançar para frente e para trás, com um padrão repetitivo, durante horas seguidas. De formas muito diversas, pessoas com autismo demonstram que suas diferenças começam ao nível de processamento de algumas ou de todas as sensações que seus corpos recebem, a cada instante.

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