O autismo, ao contrário das crenças populares, não é causado por uma suposta “frieza” da mãe do bebê: é uma condição congênita, muito provavelmente relacionada a questões hereditárias e neurológicas que comprometem qualitativamente, em graus variados, a comunicação verbal, a interação social e o interesse da criança por atividades. Apesar de não haver cura para o autismo, é possível que a criança e sua família tenham uma melhor qualidade de vida por meio da orientação de profissionais. Para que essa intervenção seja mais eficaz, é importante detectar sinais que indiquem a possibilidade de a criança ser autista o mais cedo possível. O quadro autista se evidencia até os três anos de idade.
Raquel Cassel, psicóloga formada em Curitiba com mestrado em psicopatologia pela Universidade de Paris VII, especialização em Paris XIII e doutorado em Paris V, foi convidada pelo professor Rogério Lerner, do Instituto de Psicologia (IP) da USP, para realizar uma palestra sobre uma pesquisa em relação à detecção precoce do autismo, na qual está envolvida. O trabalho da equipe em Pisa revelou que mães de bebês autistas precisam solicitar mais vezes sua atenção para que obtenham resposta. Enquanto bebês normais e bebês com retardo mental precisam cada vez menos de estimulação da mãe para que eles entrem em contato com ela, o autista precisa sempre de estimulação e dificilmente tenta entrar em contato com os familiares.
O que a pesquisa revelou é que os bebês autistas tendem a responder mais à estimulação quando a mãe ou o cuidador fala em “manhês”, termo utilizado nessa área para designar a maneira típica de falar que os pais adotam quando conversam com seus filhos pequenos, com variações fonéticas mais acentuadas do que a fala normal, que é geralmente monótona.
Raquel comenta a respeito da investigação: “Esse trabalho sobre o manhês são pesquisas de psicolinguistas que existem desde os anos 1970, mas que nunca tinham sido aplicadas para o autismo. A questão do ‘manhês’, das interações pais-bebês e do autismo foi uma inovação da equipe de pesquisa com a qual trabalho, que detectou esse tipo de fala nos filmes caseiros como uma hipótese como variável mediadora da relação pais-bebês”. Isso significa que é possível identificar prováveis indicadores de autismo ao observar filmes caseiros que mostram as mães ou os pais interagindo com o bebê. Além de serem menos engajados nas interações sociais de modo geral, os bebês autistas respondem com maior frequência ao “manhês” no terceiro trimestre de vida, enquanto bebês normais e com deficiência mental nessa mesma faixa etária passam a responder também a entonações normais.
Se o autismo for detectado logo cedo, a família poderá aprender a lidar com as dificuldades da criança mais cedo e ela será encaminhada para um acompanhamento adequado, de tal forma que sua qualidade de vida seja maior. “O anúncio do diagnóstico é algo extremamente violento para os pais, que deve ser acompanhado. Nenhuma mãe quer ter um filho que tem problema, ela só vai se culpar cada vez mais”, explica Cassel, dizendo que um trabalho deve ser feito com a família para que a falta de reação da criança aos estímulos dos familiares não os leve a deixar de interagir com ela, pois, na interação com outras pessoas, o bebê cria uma competência social que é de caráter bem distinto da capacidade cognitiva que ela pode vir a adquirir sozinha.
A pesquisa da equipe de Raquel é inédita no sentido de relacionar as respostas das crianças autistas ao “manhês”, mas existem diversas pesquisas que procuram desvendar novas maneiras de buscar indícios de uma possível condição autista da criança antes dos três anos de idade. “A detecção precoce é fundamental para que se possa minimizar as dificuldades que a criança que vai desenvolver um autismo.
Quanto mais cedo a intervenção, melhor a qualidade de vida e menos déficit cumulativo essa criança vai ter”, acredita a psicóloga. Por ser uma doença multifatorial e multifacetada, cada caso de autismo precisa de atenção especial e única. “Não existe um autismo, existe um leque de possibilidades no autismo, desde um autismo extremamente deficitário, com problemas cognitivos, sensoriais e neurológicos, até os autistas ‘grandes gênios’, que vão conseguir acompanhar uma atividade escolar com alguma diferença ou com alguma ajuda”, comenta a palestrante. “Cada autismo tem que ser avaliado e tem que ser criado um programa de intervenção individualizado para cada criança, a gente não pode ter uma única forma de lidar com o autismo”.
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